Trauma, Subjetividade e Sociedade Contemporânea: Psicanálise e Neurociência na Clínica do Século XXI

Artigo: Trauma, Psicanálise e Neurociência na Sociedade Contemporânea

1. Introdução

A contemporaneidade revela um aumento expressivo de transtornos relacionados ao trauma, à ansiedade e às rupturas subjetivas. Em meio a um contexto social marcado por instabilidade emocional, vínculos frágeis e violências cotidianas, o sujeito moderno se encontra exposto a micro e macrotraumas que excedem sua capacidade de simbolização.

A psicanálise, desde Freud, reconhece o trauma como um evento que invade o aparelho psíquico, rompendo defesas, fragmentando a experiência subjetiva e impossibilitando a representação. A neurociência contemporânea, por sua vez, demonstra que experiências traumáticas alteram a atividade da amígdala, prejudicam a consolidação da memória no hipocampo e diminuem a capacidade de modulação do córtex pré-frontal.

Este artigo articula esses dois campos — psicanálise e neurociência — para compreender como o trauma se desenvolve e se manifesta na sociedade do século XXI, bem como suas implicações para a clínica contemporânea.

[Image of brain structures involved in trauma: amygdala, hippocampus, prefrontal cortex]

2. Trauma na psicanálise: o excesso que não pode ser representado

Na teoria psicanalítica, o trauma é definido menos pelo evento objetivo e mais pelo impacto subjetivo que ele provoca. Freud descreve o trauma como uma quantidade de excitação que ultrapassa a capacidade do eu de processar e transformar a experiência em representação.

Do ponto de vista estrutural:

  • o trauma gera quebras na simbolização;
  • produz repetições compulsivas (acting-out, sonhos traumáticos, sintomas corporais);
  • cria “buracos psíquicos”, zonas não representadas que retornam como angústia sem nome;
  • compromete a capacidade do sujeito de organizar a experiência temporal e afetiva.

Essa visão torna o trauma um fenômeno de linguagem, memória e vínculo. Ele não é apenas vivenciado: é carregado, repetido, deslocado e inscrito no corpo.

3. Neurociência do trauma: o cérebro sob ameaça

A neurociência contemporânea permite visualizar o impacto fisiológico do trauma, evidenciando forte convergência com conceitos psicanalíticos. Pesquisas recentes mostram que:

  • A amígdala fica hiperativada, disparando respostas emocionais exageradas mesmo diante de estímulos neutros.
  • O hipocampo tem sua capacidade de organizar memórias em sequência temporal prejudicada, resultando em lembranças fragmentadas — equivalentes ao “não representado” da psicanálise.
  • O córtex pré-frontal reduz sua atividade, comprometendo autorregulação, julgamento e controle emocional.
  • O sistema nervoso autônomo mantém o corpo em estado de alerta contínuo, gerando sintomas como insônia, hipervigilância, irritabilidade e somatizações.

Esses achados confirmam que o trauma altera a arquitetura emocional e cognitiva, e que o corpo “se lembra” do que a consciência não consegue simbolizar.

4. O trauma na sociedade contemporânea: microviolências e subjetividades feridas

O trauma deixou de ser restrito a eventos extremos (abusos, guerras, desastres) e passou a incluir vivências aparentemente banais, porém repetitivas e emocionalmente destrutivas. Na vida cotidiana, o sujeito encontra:

  • violência psicológica e simbólica;
  • desqualificação afetiva;
  • pressões de desempenho e produtividade;
  • vínculos instáveis e relações líquidas;
  • precariedade emocional e social;
  • ausência de suporte comunitário;
  • microtraumas constantes que se acumulam no corpo e no inconsciente.

A psicanálise compreende esse cenário como uma fragilização do Eu. A neurociência reforça: estressores crônicos alteram circuitos neurais, diminuem a resiliência emocional e amplificam reações traumáticas.

Estamos diante de sujeitos fragmentados, sobrecarregados e emocionalmente exaustos — uma subjetividade marcada pela urgência do viver e pela escassez de sentido.

5. Memória traumática: convergências entre psicanálise e neurociência

A memória traumática constitui um ponto de encontro preciso entre psicanálise e neurociência.

Na psicanálise:

  • o trauma retorna como repetição;
  • permanece sem simbolização;
  • surge como sintoma corporal;
  • rompe a lógica narrativa do sujeito.

Na neurociência:

  • as memórias traumáticas são armazenadas de modo fragmentado;
  • há ativação automática da amígdala sem mediação racional;
  • o hipocampo falha na integração e na contextualização;
  • não há narrativa, apenas sensação.

A famosa frase freudiana “o corpo guarda o que a mente não representa” ganha sustentação empírica nos estudos neurobiológicos.

6. A clínica integrativa: Neuropsicanálise e reconstrução do eu

A articulação entre psicanálise e neurociência amplia a clínica contemporânea:

  • A psicanálise oferece escuta, simbolização, elaboração afetiva e construção de sentido.
  • A neurociência explica reações fisiológicas, mecanismos de defesa orgânicos e padrões emocionais automáticos.

Juntas, permitem compreender o sujeito como unidade corpo e mente, não mais fragmentado.

O tratamento do trauma exige:

  • vínculo terapêutico seguro;
  • ressignificação emocional;
  • reconstrução narrativa;
  • estabilização fisiológica;
  • restauração da capacidade de sentir e nomear o vivido.

A cura, portanto, não é apagar o passado, mas reintegrar o que ficou partido.

7. Conclusão

Compreender o trauma na sociedade contemporânea implica reconhecer que ele atravessa tanto o corpo quanto o inconsciente, tanto o indivíduo quanto a coletividade. Articular psicanálise e neurociência revela que o trauma é, simultaneamente, uma falha de simbolização e uma desorganização neurobiológica. Vivemos em uma sociedade que produz subjetividades exaustas, sobrecarregadas e emocionalmente vulneráveis. Assim, a clínica, seja psicanalítica, neuropsicanalítica ou interdisciplinar, torna-se um espaço de reconstrução: onde o sujeito encontra linguagem, acolhimento, elaboração e possibilidade de reescrever a própria história.

A integração entre psicanálise e neurociência não substitui nenhum dos dois campos ela amplia ambos. Permite compreender que o trauma não é só ruptura, mas também oportunidade de reinscrição, transformação e renascimento subjetivo.

Referências Bibliográficas

  • Freud, S. (1920). Além do Princípio do Prazer.
  • van der Kolk, B. (2014). The Body Keeps the Score. Viking.
  • Panksepp, J. (1998). Affective Neuroscience. Oxford University Press.
  • Solms, M. (2021). The Hidden Spring: A Journey to the Source of Consciousness. W.W. Norton.
  • LeDoux, J. (2015). Anxious: Using the Brain to Understand and Treat Fear and Anxiety. Viking.
  • Schore, A. (2012). The Science of the Art of Psychotherapy. Norton.
  • McEwen, B. (2017). "Neurobiology of Stress and Trauma." Annual Review of Neuroscience.
  • Seligman, D. et al. (2020). "Trauma, Memory, and Neural Integration." Journal of Affective Disorders.
  • Fonagy, P. & Target, M. (2003). Psychoanalytic Theories: Perspectives from Developmental Psychopathology.
Arteterapeuta, Assistente Social, Psicanalista e Supervisor
MIRIAN
Arteterapeuta, Assistente Social, Psicanalista e Supervisor

Sou a Drª Mirian Capistrano, Assistente Social, Doutora em Psicanálise Clínica, Pós-Doutorada em Estudos Avançados da Psicanálise, Mestra em Neuropsicanálise, Auriculoterapeuta Especialista em Bandagem Auricular com MBA em Perícia Judicial e Gestão de Pessoas. Minha formação é contínua, fundamentada em estudos avançados, cursos de aperfeiçoamento, laboratórios práticos e experiências reais com pessoas e comunidades diversas. É nesse encontro entre ciência, prática e humanidade que construí um método terapêutico eficaz e transformador.

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Bahia, Brasil
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