A vivência do vazio na era da hiperconexão: uma leitura fenomenológico-existencial
Nas últimas décadas, observa-se o aumento da sensação de vazio e falta de sentido em meio à cultura da hiperconexão. Embora as redes digitais ampliem o acesso à comunicação, muitos relatam solidão e desconexão. A abordagem fenomenológico-existencial busca compreender “os fenômenos tal como eles se manifestam à consciência, sem reduzi-los a explicações causais”. Isso significa investigar como o vazio existencial se apresenta nas experiências cotidianas e qual o seu papel na existência humana.
Segundo Frankl (2018), “O termo ‘existencial’, pode ser usado referindo-se à existência em si mesma, isto é, ao modo especificamente humano de ser; ao sentido da existência; à busca por um sentido concreto na existência pessoal, ou seja, à vontade de sentido”. Tal perspectiva não vê o vazio como um sintoma patológico, mas como um chamado à autenticidade e à responsabilidade. Como destaca Frankl, “a busca por um sentido na vida pode ser um caminho para a psicoterapia no enfrentamento desses sentimentos intrinsecamente humanos e potencializados na modernidade”.
Este vazio é potencializado pelo contexto social contemporâneo:
“A contemporaneidade, nessa perspectiva, é marcada pelo forte consumismo, em uma obsolescência programada onde ‘quase tudo’ perde, rapidamente, a capacidade de satisfazer, evidenciando que nem mesmo a relativa prosperidade da classe média na vida moderna tornou o ser humano imune ao vazio e ao sofrimento existencial.”
O sofrimento decorrente do vazio é evidenciado por estatísticas preocupantes. Frankl relata:
“Apesar de todas as boas condições, 83% dos jovens em um estudo não viam sentido em suas vidas. A frustração da vontade de sentido pode levar ao suicídio, a um suicídio não neurótico.”
Segundo relatos contemporâneos, o hiperconsumismo e o imediatismo “se apresentam como um atalho para se realizar”, mas o prazer conquistado se esvai rapidamente, restando apenas o vazio existencial (Ramos & Rocha, 2018).
A abordagem fenomenológico-existencial vê o sofrimento não apenas como algo a ser combatido, mas como uma dimensão fundamental da existência:
“O sentido da vida é um problema caracteristicamente humano e uma indagação que todo homem faz a si mesmo. Para assumir um compromisso com a vida é preciso descobrir-lhe o sentido.”
“A essência da existência humana… radica na sua auto-transcendência. Ser homem significa dirigir-se e ordenar-se a algo ou alguém: entregar-se o homem a uma obra a que se dedica, a um homem quem ama, ou a Deus, a quem serve”
No contexto da hiperconexão, o desafio atual não é eliminar o vazio, mas reconhecê-lo como campo fértil para a autenticidade:
“A psicologia de Viktor Frankl, na prática clínica, apresenta-se como uma teoria relevante e consistente para atender às demandas psíquicas do indivíduo e seus imperativos na busca de um sentido existencial na contemporaneidade. Nesse contexto, em termos clínicos... o que interessa à logoterapia é o esforço em levar o indivíduo à experiência vivencial da responsabilidade pelo cumprimento dessa sua missão.”
A clínica fenomenológico-existencial não propõe preencher o vazio com respostas prontas, mas acompanhar o sujeito na tarefa de desvelar seu próprio modo de ser-no-mundo. Assim, a experiência do vazio é parte natural da existência e oportunidade para (re)construção de sentido — processo que só pode ser realizado no diálogo, na liberdade e na responsabilidade do próprio existir.
Referências
- Aguiar, M.H.C., & Andrade, A.M.M. (2021). “Vazio existencial e sofrimento psíquico na vida contemporânea: A busca de sentido”. Cadernos de Psicologia, 3(5), 539-554.
- Ramos, A.P.M. & Rocha, F.N. (2018). “Busca por Felicidade e Sentido de Vida na Sociedade de Consumo no Olhar da Logoterapia”. Revista Mosaico, 09(1), 10-18.
- Frankl, V. (2018). Em Busca de Sentido.
- Xausa, I.A.M. (1988). A Psicologia do Sentido da Vida.
- Pereira, I.S. (2021). Tratado de Logoterapia e análise existencial: filosofia e sentido da obra na vida Viktor Emil Frankl.
- Bauman, Z. (2014) Universidade do consumo: o novo senso de insignificância e a perda de critérios.
