O que é, de fato, o Transtorno Dissociativo de Identidade?

Frequentemente, nos deparamos com termos como "dupla personalidade" ou "personalidade múltipla", evocando imagens de uma pessoa cujo humor oscila ou que abriga um outro "eu". Filmes popularizaram essa ideia, mostrando personagens com múltiplas identidades convivendo em um só corpo. Mas para além da ficção, existe uma realidade clínica complexa e muitas vezes mal compreendida. Como a psiquiatria moderna entende essa condição, como devemos chamá-la corretamente e, mais importante, existe um caminho para a cura?

Este artigo convida você a uma reflexão sobre a incrível capacidade da mente humana de se proteger e as profundas cicatrizes que o trauma pode deixar.

A Dissociação como Escudo da Psique

Para entender o transtorno, primeiro precisamos compreender o conceito de dissociação. Em sua essência, a dissociação é um mecanismo de defesa, uma reação natural da nossa psique a eventos avassaladores. É o desejo de se desconectar de uma realidade que causa dor insuportável.

Pense em uma situação comum: após o término doloroso de um relacionamento, uma pessoa pode sentir um impulso de mudar radicalmente, cortar o cabelo, renovar o guarda-roupa, como se estivesse tentando se distanciar da versão de si mesma que sofreu. Esse é um mecanismo inofensivo e temporário, uma forma de processar a dor. Nossa mente possui muitos escudos assim, desde a repressão de memórias ruins até a sublimação, onde transformamos a dor em arte ou criatividade.

No entanto, quando esse mecanismo de defesa se torna a estratégia central e crônica para sobreviver, ele pode evoluir para algo muito mais sério.

Quando a Defesa se Torna uma Fratura: A Origem do Transtorno

O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), nome técnico e atual para o que antigamente se chamava de transtorno de personalidade múltipla, surge justamente desse mecanismo de defesa levado ao extremo. Ele se desenvolve quase invariavelmente como uma resposta a traumas severos e repetidos, especialmente durante a infância — um período em que a personalidade ainda está se formando.

Diante de abuso físico, emocional ou sexual contínuo, a mente da criança, incapaz de lutar ou fugir, encontra uma saída: ela se fragmenta. Para se proteger da dor e do horror, a psique cria novas identidades, ou "estados de personalidade", que são capazes de lidar com as dificuldades que o "eu" original não suportaria.

O caso de Billy Milligan, que se tornou famoso no final dos anos 70, é um exemplo emblemático. Acusado de crimes graves, sua defesa argumentou que as personalidades alternativas cometeram os atos, enquanto sua identidade principal não tinha conhecimento de nada. Sua psique estava dividida em 24 personalidades distintas. Segundo seus relatos, as primeiras surgiram por volta dos oito anos, após sofrer abusos terríveis. A mente dele criou outros para suportar a dor.

As Múltiplas Faces do Eu: Como o TDI se Manifesta?

O TDI é caracterizado pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos que assumem o controle do comportamento da pessoa de forma recorrente. Um sintoma central é a amnésia dissociativa: lacunas na memória de eventos cotidianos, informações pessoais importantes e, principalmente, dos eventos traumáticos. Uma identidade pode não ter a menor ideia do que a outra fez ou experimentou.

Existem duas formas principais de apresentação do transtorno:

  • Forma Possessiva: Esta é a forma mais conhecida, em que a mudança de identidade é óbvia para os outros. A pessoa pode falar e agir de maneira completamente diferente, como se "outra pessoa" tivesse se apoderado dela. Essas identidades podem ter nomes, idades, gêneros e até mesmo habilidades diferentes.
  • Forma Não Possessiva: Esta forma é mais sutil. A pessoa não sente que está sendo "possuída", mas vivencia uma profunda sensação de despersonalização (sentir-se destacado de si mesmo, como se observasse a própria vida de fora) e desrealização (sentir que o mundo ao redor não é real). Suas preferências e opiniões podem mudar drasticamente sem motivo aparente, e ela pode sentir que seu corpo não lhe pertence.

É comum que o TDI seja acompanhado por alucinações, mas estas são diferentes das que ocorrem na esquizofrenia. No TDI, um paciente pode descrever a sensação de que "alguém quer chorar usando meus olhos", uma experiência que emana de uma identidade interna, enquanto na esquizofrenia, as vozes são tipicamente percebidas como externas e estranhas à própria pessoa. A principal diferença é que na esquizofrenia a personalidade não se divide; os sintomas psicóticos ocorrem com a identidade central do indivíduo.

Um Caminho para a Integração e a Esperança

O tratamento do TDI é um processo longo e delicado, que exige uma abordagem individualizada e, acima de tudo, psicoterapêutica. O objetivo não é eliminar as outras personalidades, mas sim integrá-las gradualmente.

A psicoterapia busca ajudar o paciente a processar o trauma original que causou a fragmentação. É preciso revisitar as memórias e emoções dolorosas em um ambiente seguro para que a psique possa, finalmente, sair do estado de traumatização constante. Técnicas como a hipnoterapia podem ser usadas por profissionais treinados para facilitar a comunicação e a cooperação entre as identidades.

Medicamentos podem ser prescritos, mas não para curar o TDI em si. Eles servem para tratar sintomas coexistentes como depressão, ansiedade ou pesadelos, tornando a jornada terapêutica mais suportável.

O Transtorno Dissociativo de Identidade é uma condição complexa e crônica, mas não é uma sentença. Com o tratamento adequado e contínuo, muitos pacientes conseguem integrar suas identidades, processar seus traumas e reconquistar uma vida plena e funcional. É um testemunho poderoso da resiliência humana e da nossa profunda necessidade de sobreviver, mesmo diante do inimaginável.

Referências

  • Van der Kolk, B. A. (2014). The body keeps the score: Brain, mind, and body in the healing of trauma. Penguin Books.

    Anotação: Um trabalho seminal do renomado especialista em trauma, Bessel van der Kolk. O livro explica de forma acessível e profunda como o trauma afeta o cérebro e o corpo, levando a condições como o TDI. Ele corrobora a ideia central do artigo de que a dissociação é uma resposta de sobrevivência e explora abordagens terapêuticas que vão além da terapia da fala, focando na integração mente-corpo. (Páginas Relevantes: Especialmente a Parte Cinco, "Caminhos para a Recuperação")

  • Barlow, D. H., Durand, V. M., & Hofmann, S. G. (2018). Abnormal psychology: An integrative approach (8th ed.). Cengage Learning.

    Anotação: Este é um livro didático abrangente sobre psicopatologia. O capítulo sobre transtornos dissociativos e transtornos de sintomas somáticos fornece um excelente resumo acadêmico do TDI, contrastando-o com outras condições (como a esquizofrenia) e discutindo as teorias sobre suas causas (modelo pós-traumático) e abordagens de tratamento, alinhando-se com a estrutura e os fatos apresentados no artigo. (Páginas Relevantes: O capítulo específico que cobre os Transtornos Dissociativos)

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