Como encontrar um propósito quando não existe um manual de instruções para a vida?

Seria reconfortante se o sentido da vida nos fosse entregue junto com a certidão de nascimento, como um manual de instruções para a existência. Imagine não ter que se procurar, escolher uma vocação, ou questionar o porquê de estarmos aqui. Tudo estaria predeterminado num documento. No entanto, a realidade impõe-nos a tarefa de procurar esse sentido por nós mesmos, uma busca que nem sempre é fácil. Mas será que existe um sentido universal para a vida? É possível viver sem ele? E o destino, existe? Vamos refletir sobre algumas das questões mais fundamentais da nossa existência.

A Morte Como Bússola

Às vezes, pode parecer que a finitude da vida rouba todo o seu significado. Para que criar, construir ou amar, se tudo um dia se desvanecerá e ninguém se lembrará de que existimos? O filósofo alemão Martin Heidegger escreveu que a morte é o fim de toda e qualquer potencialidade. Enquanto estamos vivos, temos um leque de possibilidades à nossa frente. Num fim de semana, por exemplo, podemos passear, fazer uma limpeza em casa ou simplesmente não fazer nada. Todas estas são possibilidades em aberto. Contudo, se não chegarmos a viver esse fim de semana, todos esses planos potenciais tornam-se nulos.

Essa constatação assusta, e por isso, muitas vezes afastamos os pensamentos sobre a nossa própria mortalidade. Heidegger chama a isto uma existência “imprópria” ou “inautêntica”. Uma vida assim, vivida com medo da morte, transforma-se numa mera sucessão de tarefas quotidianas, desprovida de um sentido mais profundo. É como diz aquele velho ditado: “quem não vive, não morre”. Se tememos a morte, no fundo, também tememos a vida.

O filósofo Epicuro, por outro lado, ofereceu uma perspetiva tranquilizadora, afirmando que a morte não nos diz respeito. Quando existimos, a morte ainda não chegou; quando a morte chega, nós já não existimos. Embora esta citação ajude a apaziguar o medo, não responde à questão fundamental: por que nascemos para depois morrer?

Podemos, no entanto, olhar para a morte de um outro ângulo: é precisamente ela que dá sentido à vida. Se a vida fosse infinita, como seria? Poderíamos pensar que teríamos a eternidade para desfrutar de tudo, mas para quê ter pressa? Poderíamos adiar para sempre a viagem à beira-mar, a composição daquela sinfonia, ou a simples admiração de um pôr do sol. Qualquer prazo perderia o sentido, e até a mais bela das paisagens se tornaria entediante. É aqui que reside o paradoxo: a morte, ao limitar o nosso tempo, força-nos a valorizar o que temos, precisamente porque sabemos que, inevitavelmente, o vamos perder.

Destino Traçado ou Vontade Soberana?

Alguns acreditam que o sentido da vida é algo inato, como a cor dos nossos olhos. Esta ideia alinha-se com o determinismo, a teoria de que tudo no universo está interligado numa vasta cadeia de causa e efeito, iniciada no Big Bang, que o trouxe até ao exato momento em que lê este artigo. Por exemplo, você não teria comprado um gelado se não estivesse calor, se os seus pais não se tivessem conhecido há muitos anos, e assim por diante. Nada pode ser removido desta cadeia. Isto implica que os eventos só podem ocorrer de uma única maneira possível e que tudo está, de certa forma, predeterminado, incluindo o sentido da sua vida.

Mas como podem o livre-arbítrio e a responsabilidade pessoal coexistir com o determinismo? O filósofo David Hume argumentava que um não exclui o outro. Somos responsáveis pelas ações que executamos por vontade própria, sem coação externa. Sim, a sua preferência por doces e o tempo quente podem ser predeterminados, mas ninguém o forçou a comprar o gelado. Nada o impediu de escolher água, mas você escolheu o gelado, e isso é o seu livre-arbítrio em ação. A liberdade, para Hume, não significa uma ausência de causas, mas uma ausência de coerção. As suas escolhas são “livres” porque seguem os seus desejos, mesmo que esses desejos sejam, em última análise, fruto de uma longa cadeia de eventos.

As nossas crenças e fé também moldam profundamente o nosso sentido de vida. Seja através da religião ou de uma filosofia pessoal, como a de Sócrates, que via a vida terrena como uma preparação para uma existência superior da alma imortal, aceitamos um sentido que alguém encontrou antes de nós. Nestas perspetivas, a vida torna-se uma etapa, e o seu significado reside em preparar-se para o que vem a seguir.

A Angústia da Liberdade

O filósofo existencialista Jean-Paul Sartre ofereceu uma visão radicalmente diferente. Para ele, não nascemos com uma essência ou um propósito definidos; nós “tornamo-nos” ao longo da vida. Não existe um programa rígido, um destino original ou algo que possa predeterminar os nossos objetivos. Um garfo, por exemplo, tem um propósito claro: foi criado para uma função específica. O ser humano, no entanto, não foi criado “para” algo. É claro que certas características físicas podem facilitar certas atividades — ter uma estatura elevada pode ajudar no basquetebol, e ter dedos longos no piano —, mas estas aptidões não o obrigam a seguir um caminho específico. A escolha é sua.

Isto, no entanto, acarreta uma responsabilidade imensa. Se somos nós que fazemos a escolha, não podemos culpar causas externas pelos nossos fracassos. A sua mãe, que o inscreveu na escola de música, não pode ser culpada por você não se ter tornado um atleta. É por isso que Sartre afirmava que “o homem está condenado à liberdade”. Por vezes, esta liberdade parece mais uma maldição do que um dom. A escolha pode ser paralisante. Podemos assemelhar-nos ao “burro de Buridan”, a personagem de uma antiga fábula que morre de fome por não conseguir decidir entre dois montes de feno igualmente apetitosos. Encontrar-se, fazer uma escolha e arcar com as suas consequências é um fardo pesado que cada um de nós tem de carregar sozinho.

Abraçar o Absurdo

Se o sentido da vida tem de ser procurado individualmente, talvez nunca o encontremos. E se ele simplesmente não existir? Esta questão foi central para o filósofo Albert Camus. Na sua perspetiva, a condição humana é semelhante à de Sísifo, a figura da mitologia grega condenada a empurrar uma pedra enorme montanha acima, apenas para a ver rolar de volta para baixo, repetidamente, por toda a eternidade.

Sísifo compreende a futilidade da sua tarefa, mas não se rende. Ele continua a empurrar a sua pedra. Camus convida-nos a imaginar Sísifo feliz. Porquê? Porque ele aceitou o absurdo da sua condição e encontrou um propósito na sua própria luta. A sua pedra é o seu sentido.

Mas o que fazer quando não temos uma “pedra” para empurrar? Camus sugere que a única resposta digna é a revolta. Não uma revolta violenta, mas uma revolta através da consciência e da paixão. Em vez de ignorar a falta de sentido ou de capitular perante ela, devemos abraçar o absurdo da existência e viver intensamente. Uma das formas de o fazer é através da experiência estética. A criatividade, a arte, e até a simples contemplação da natureza — como admirar um pôr do sol — permitem-nos transcender os limites de uma existência absurda. Ao encontrar beleza e paixão no ato de viver, mesmo sem um propósito último, conferimos à vida o nosso próprio sentido.

Referências:

  • Camus, Albert. O Mito de Sísifo. Editora Livros do Brasil.
    Este ensaio filosófico é a fonte primária para a discussão sobre o absurdo e a figura de Sísifo. Camus explora a ideia de que a consciência da falta de sentido da vida não deve levar ao desespero, mas sim a uma revolta apaixonada e à liberdade. A análise de Sísifo como o “herói absurdo” é particularmente relevante (o capítulo final, com o mesmo nome do livro, é essencial).
  • Sartre, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Editora Quetzal Editores.
    Nesta obra, que é uma transcrição de uma palestra, Sartre defende o existencialismo de várias críticas e apresenta os seus conceitos fundamentais de forma acessível. É aqui que ele articula claramente a máxima “a existência precede a essência” e explora as implicações da liberdade radical, da angústia e da responsabilidade pessoal na criação do sentido da vida.
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