Por que a esquizofrenia é tão temida e mal compreendida?

Artigo | Transtorno mental

“Todos nós vemos, ouvimos e sentimos coisas quando estamos sonhando. Sou apenas alguém que não consegue desligar os pesadelos, mesmo quando estou acordada.” Com estas palavras, a palestrante Cecilia McGough iniciou a sua palestra no TED, oferecendo uma janela para a sua experiência com a esquizofrenia. Este transtorno crônico, que altera a forma como uma pessoa percebe o mundo, é frequentemente envolto em estigma e mal-entendidos. Para além dos estereótipos, o que é realmente a esquizofrenia? É uma condição que convida à reflexão sobre a própria natureza da realidade.

O Que É a Esquizofrenia?

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico complexo, marcado por uma constelação de sintomas cognitivos, comportamentais e emocionais que redefinem a experiência do mundo para quem a vivencia. No seu cerne, frequentemente encontramos a psicose, um estado em que a realidade é percebida de uma forma fundamentalmente diferente da das pessoas ao redor. Esta desconexão pode ser profundamente assustadora.

A psicose manifesta-se de várias maneiras. Pode surgir através de alucinações, que são percepções sensoriais – ver, ouvir, sentir algo – na ausência de um estímulo real. Pode também tomar a forma de delírios, que são crenças firmes e falsas, imunes à lógica ou a provas em contrário.

Sintomas Positivos e Negativos: Um Equilíbrio Complexo

O Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5) explica que o diagnóstico de esquizofrenia envolve a presença de delírios, alucinações ou discurso e comportamento desorganizados. Estes são curiosamente chamados de sintomas "positivos". O termo não significa que sejam bons, mas sim que representam a adição de experiências atípicas, como a psicose. Para alguns, a psicose pode ser aterrorizante; para outros, pode vir com um sentimento de grandiosidade ou propósito.

Em contrapartida, existem os sintomas "negativos", que se referem à ausência ou diminuição de capacidades normais. Estes incluem a anedonia (uma profunda falta de prazer), um desinteresse marcante pela socialização e uma expressão emocional visivelmente limitada. Uma pessoa pode tornar-se retraída, isolada e parecer indiferente ao mundo exterior. Não existe um modelo único, e a condição manifesta-se em combinações únicas destes sintomas, que geralmente começam a surgir no início da vida adulta.

Mergulhando na Psicose: Alucinações e Delírios

A psicose é a marca registrada da esquizofrenia, uma verdadeira ruptura com a realidade consensual. Durante um episódio psicótico, a pessoa pode ver e ouvir coisas que mais ninguém percebe. As alucinações podem ser subtis – a sensação de insetos na pele, ouvir vozes do outro lado da sala – ou avassaladoras, como ver figuras religiosas ou seres fantásticos. Embora por vezes bizarras, estas experiências podem ser incrivelmente realistas, tornando quase impossível distinguir o que é real do que não é. Com o tempo e tratamento, a pessoa pode aprender a reconhecer uma alucinação pelo que ela é.

Os delírios, por sua vez, são batalhas travadas na mente. São crenças fixas que desafiam a realidade. Podem ser de natureza persecutória (a crença de que o governo ou outras forças estão a conspirar contra si), grandiosos (acreditar ser uma figura messiânica ou ter um propósito cósmico) ou somáticos (a convicção de ter uma doença terrível, apesar de todas as evidências médicas). Por exemplo, alguém com um delírio somático de uma infestação parasitária não será convencido do contrário, mesmo após inúmeras consultas médicas. Para quem os vive, os delírios são tão reais quanto o chão sob os nossos pés.

Outros Termos para Compreender

  • Anedonia: A incapacidade de sentir prazer em atividades que antes eram prazerosas.
  • Catatonia: Uma perturbação do movimento, que pode ir de uma imobilidade total a movimentos bizarros e inadequados ao ambiente.
  • Anosognosia: A falta de consciência sobre a própria condição. A pessoa pode não reconhecer os seus sintomas ou o impacto que eles têm na sua vida.
  • Transtorno Esquizoafetivo: Uma condição distinta que combina sintomas de esquizofrenia com os de um transtorno de humor, como depressão ou transtorno bipolar.

Desfazendo Mitos: O Que a Esquizofrenia Não É

O estigma floresce na desinformação. Dois dos equívocos mais comuns são a confusão com o "transtorno de múltiplas personalidades" e a associação com a violência.

A esquizofrenia não é o mesmo que Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), anteriormente conhecido como transtorno de personalidade múltipla. O TDI é caracterizado pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ("alters"), cada um com as suas próprias memórias e comportamentos. Embora ambas sejam condições mentais sérias, os seus sintomas e tratamentos são muito diferentes.

Mais importante ainda, a esquizofrenia não é sinónimo de violência. Estudos, como os publicados pela Cambridge University Press, indicam que a esmagadora maioria das pessoas com esquizofrenia não é violenta. Na verdade, elas têm uma probabilidade muito maior de serem vítimas de violência do que perpetradoras. Nos raros casos em que a violência ocorre, muitas vezes há outros fatores em jogo, como o abuso de substâncias, tal como acontece na população em geral.

Tratamento, Esperança e uma Vida Plena

Atualmente, não há cura para a esquizofrenia, mas ela é tratável. O tratamento geralmente envolve uma combinação de medicamentos antipsicóticos, que são altamente eficazes para gerir os sintomas positivos, e psicoterapia, que ajuda a lidar com os sintomas negativos e a desenvolver estratégias para o dia a dia.

Por vezes, durante uma crise psicótica aguda, a hospitalização pode ser necessária para garantir a segurança e a estabilização da pessoa. Embora possa ser uma experiência difícil, o objetivo é sempre o de restaurar o equilíbrio com o tratamento adequado.

É fundamental entender que um diagnóstico de esquizofrenia não é uma sentença. Pessoas com esta condição podem, e de facto vivem, vidas plenas, bem-sucedidas e cheias de significado. A história está repleta de exemplos, como o de John Forbes Nash, o matemático laureado com o Prémio Nobel, cuja vida foi retratada no filme "Uma Mente Brilhante". A esquizofrenia é um desafio, sem dúvida, mas com o apoio certo, a resiliência humana pode brilhar de formas extraordinárias.

Referências

  • American Psychiatric Association. (2022). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 5th Edition, Text Revision (DSM-5-TR). American Psychiatric Publishing.
    Anotação: Esta é a referência clínica padrão utilizada por profissionais de saúde mental em todo o mundo. A secção sobre "Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos" (páginas 101-140) fornece os critérios de diagnóstico detalhados para a esquizofrenia, descrevendo os sintomas positivos, negativos, cognitivos e de humor discutidos no artigo. É a fonte primária para a definição clínica da condição.
  • National Institute of Mental Health (NIMH). (2023). Schizophrenia. NIMH Publications. (Disponível online no site oficial do NIMH)
    Anotação: O NIMH é uma das principais agências de investigação biomédica e de saúde do mundo. A sua publicação sobre esquizofrenia oferece uma visão geral abrangente e acessível da condição, cobrindo sintomas, fatores de risco, tratamentos e terapias. Confirma as informações do artigo sobre o uso de antipsicóticos, psicoterapia e a possibilidade de viver uma vida produtiva com tratamento adequado.
  • Fazel, S., Gulati, G., Linsell, L., Geddes, J. R., & Goodwin, G. M. (2009). Schizophrenia and violence: systematic review and meta-analysis. PLoS Medicine, 6(8), e1000120.
    Anotação: Esta meta-análise académica, publicada numa revista de grande impacto, aborda diretamente o mito da violência. A investigação analisa dados de múltiplos estudos e conclui que, embora haja um risco relativo aumentado de violência, o risco absoluto é pequeno, e a maioria dos indivíduos com esquizofrenia não é violenta. O estudo apoia a afirmação do artigo de que a violência é rara e que outros fatores, como o abuso de substâncias, são importantes mediadores, ajudando a combater o estigma.