Por que a sua empatia pode estar a prejudicá-lo mais do que a ajudar?
Vivemos num tempo fascinante, onde as barreiras da distância parecem dissolver-se através de um ecrã. Somos capazes de sentir a dor ou a alegria de alguém que nunca encontramos, simplesmente através das histórias que partilham. Este vasto oceano de conexão humana, alimentado pela empatia, promete um mundo mais compreensivo e unido. No entanto, como em qualquer força poderosa, a empatia possui uma sombra. Associamo-la a tudo o que é bom e nobre, mas é crucial reconhecer a sua verdade mais sombria: em excesso, a empatia pode levar ao esgotamento emocional, à diluição das nossas próprias fronteiras e até à manipulação. O nosso objetivo é iluminar este caminho, ajudando a encontrar um equilíbrio saudável para proteger o nosso bem-estar mental e emocional, sem jamais abandonar a compaixão.
O Advogado do Diabo Involuntário
Quantas vezes, ao ouvir o desabafo de um amigo sobre um conflito, nos vemos numa encruzilhada? A nossa empatia não se limita a quem está à nossa frente. Ela estende-se, quase que por instinto, para a pessoa ausente na conversa. Começamos a considerar a sua perspetiva, a imaginar as suas razões. Afinal, uma pessoa verdadeiramente empática esforça-se por se conectar com todas as partes. O resultado, infelizmente, pode ser desastroso para a amizade. Em vez de se sentir apoiado, o nosso amigo pode acusar-nos de "fazer o papel de advogado do diabo", sentindo-se traído precisamente no momento em que mais precisava de validação. A empatia, quando não é percebida como um apoio incondicional, pode ser vista como uma traição.
O Desequilíbrio nos Relacionamentos
A empatia é uma das mais belas qualidades a cultivar num relacionamento, mas nem sempre é recíproca. Nem todos sentimos no mesmo grau. Este desequilíbrio pode ser fruto da nossa criação, das nossas experiências de vida ou, como sugere a ciência, da nossa própria biologia. O psiquiatra Henrik Walter, por exemplo, aponta para evidências de que neurotransmissores como a oxitocina e a dopamina desempenham um papel crucial na forma como expressamos empatia.
Quando uma pessoa num relacionamento é significativamente mais empática do que a outra, pode sentir-se terrivelmente solitária. Sente que é a única a carregar o peso emocional da relação, a única que se esforça para compreender as dificuldades do outro. Um estudo publicado na revista Trends in Cognitive Science reconhece que a empatia beneficia a satisfação no relacionamento, mas alerta que pode ser prejudicial noutros contextos. Se o seu parceiro está a atravessar um período de intensa negatividade, essa escuridão pode contaminá-la. A infelicidade, afinal, adora companhia. Numa situação extrema, se o seu parceiro expressar dúvidas sobre o futuro da relação, a sua capacidade de sentir o ponto de vista dele pode levá-la a concordar com o fim, em vez de lutar pelo que construíram juntos.
A Vulnerabilidade da Alma Exposta
Pessoas empáticas são, por natureza, emocionalmente disponíveis. Isto parece uma qualidade maravilhosa — e é. Ser um porto seguro para amigos e parceiros é uma dádiva. Contudo, essa disponibilidade também significa que as nossas emoções estão expostas, prontas a serem usadas contra nós. Alguns podem aproveitar-se da nossa capacidade de compreender e perdoar, sabendo que somos mais propensos a aceitar situações que não nos beneficiam, simplesmente porque "entendemos de onde eles vêm".
De forma ainda mais dolorosa, pessoas empáticas que sofreram abusos podem encontrar-se numa encruzilhada terrível: sentem o trauma e a mágoa do abuso, ao mesmo tempo que sentem pena e compreendem a dor do seu agressor. Esta dualidade é devastadora e aprisionadora.
Trauma Vicário: A Dor que Não é Nossa
Quanto mais empática for uma pessoa, maior a probabilidade de o trauma dos outros a afetar diretamente. Este fenómeno, conhecido como trauma vicário, é um desafio bem conhecido entre terapeutas e socorristas, que lidam constantemente com vítimas. Como o nome sugere, é o ato de absorver e sentir o trauma e a dor daqueles que ajudamos.
Na era digital, o trauma vicário ganhou uma nova dimensão. É louvável querer ajudar em causas humanitárias e divulgar injustiças globais, mas quanto mais nos mergulhamos nessas narrativas de dor, mais elas nos afetam negativamente. Corremos o risco de nos tornarmos pessoas amargas e zangadas, perdendo o otimismo necessário para acreditar na mudança.
Assumir o trauma de outra pessoa não diminui o sofrimento dela. Pelo contrário, ao espelhar a sua dor, a sua raiva ou a sua vergonha, estamos a prejudicar o nosso próprio bem-estar mental. Pode ser, inclusive, ofensivo para a pessoa que realmente viveu a experiência, pois a sua dor não é um fardo para ser partilhado, mas uma realidade para ser respeitada. O trauma vicário, inevitavelmente, leva ao esgotamento.
Da Empatia à Compaixão: Um Caminho para o Equilíbrio
Ser empático não é, na maioria das vezes, uma escolha. É a forma como estamos construídos. Portanto, precisamos de ferramentas para garantir que a nossa empatia não se vira contra nós. O primeiro passo é estar atento aos sinais de sobrecarga. Apanha-se a ruminar constantemente sobre as emoções dos outros? Há um propósito prático e saudável em carregar esses sentimentos?
Praticar a atenção plena (mindfulness) é fundamental. Como pessoa empática, esteja consciente da sua vulnerabilidade. Fortalecer a sua confiança ajudá-la-á a deixar de se sentir responsável pelo trauma que os outros partilham consigo e permitirá que estabeleça limites saudáveis. A confiança também abre a porta para agir com mais compaixão em vez de apenas empatia. A compaixão, que nasce da empatia, é orientada para a ação e para a solução, permitindo-lhe ser genuinamente útil sem se destruir no processo.
Todos devemos ter empatia. Mas não podemos esquecer que a simpatia e a compaixão são, muitas vezes, mais construtivas. Não há nada de errado em ser como é, mas devemos aprender a monitorizar a nossa empatia para garantir que ela não piora as coisas para nós. Não é preciso sentir-se pior para que alguém se sinta melhor.
Referências Sugeridas
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Zaki, J. (2014). Empathy: A motivated account. Psychological Bulletin, 140(6), 1608–1647.
Anotação: Este artigo seminal argumenta que a empatia não é um reflexo automático, mas um processo motivado. Zaki explica como a nossa decisão de nos conectarmos empaticamente é influenciada por vários fatores, como o custo emocional e os benefícios percebidos. Isto apoia diretamente a ideia central do artigo de que a empatia pode ser regulada e que sentir em excesso pode ser prejudicial, validando a necessidade de estabelecer limites.
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Figley, C. R. (Ed.). (1995). Compassion fatigue: Coping with secondary traumatic stress disorder in those who treat the traumatized. Brunner/Mazel.
Anotação: Esta obra é fundamental para compreender o conceito de trauma vicário e fadiga por compaixão. Embora focada em profissionais de ajuda, as suas descobertas são perfeitamente aplicáveis a pessoas altamente empáticas nas suas vidas pessoais. O livro fornece a base teórica para a discussão do artigo sobre como a exposição ao trauma de outros leva ao esgotamento emocional e psicológico.
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Singer, T., & Klimecki, O. M. (2014). Empathy and compassion. Current Biology, 24(18), R875-R878.
Anotação: Esta publicação distingue de forma clara e baseada em neurociência os conceitos de empatia e compaixão. Os autores demonstram que, enquanto a empatia excessiva (sentir a dor do outro) pode levar ao sofrimento e ao esgotamento (burnout), o treino em compaixão (sentir cuidado e desejo de ajudar) promove emoções positivas e resiliência. Isto valida a conclusão do artigo de que a transição da empatia para a compaixão é uma estratégia de proteção eficaz.