A terapia psicanalítica no Brasil tem uma trajetória que se mistura à história da própria psicologia no país: as primeiras influências chegaram nas malas de médicos formados em Paris, mas foi nas décadas de 1950 e 1960 que ela se popularizou, quando intelectuais paulistas e cariocas procuraram novas lentes para entender o sofrimento humano pós‑Segunda Guerra. Diferente de abordagens breves, a psicanálise convida a um mergulho prolongado: o paciente deita‑se no divã – ou, em consultórios mais modernos, senta‑se frente a frente – para falar livremente, sem censura, amarrando sonhos, lapsos de fala e memórias de infância. O terapeuta está atento a conteúdos latentes: sentimentos deslocados, fantasias de poder ou vulnerabilidade, repetições que denunciam conflitos não resolvidos.
Um dos conceitos‑chave é o inconsciente: lugar simbólico onde desejos reprimidos mantêm força ativa. Quando essas forças encontram barreiras morais (o Superego) e exigências da realidade (o Ego), surgem sintomas – fobias, compulsões, crises de pânico. A interpretação dos sonhos, descrita por Freud em 1900, continua ferramenta central, mas foi atualizada pelo diálogo com a neurociência onírica e com teorias pós‑freudianas, como as de Melanie Klein e Donald Winnicott. Na prática, o analista pergunta: “Como você viveu essa cena onírica?”, abrindo espaço para associações que revelam conflitos edípicos, angústias de separação ou ansiedades de castração.
No cenário brasileiro, a psicanálise ganhou sotaque próprio. Autores como Jurandir Freire Costa discutem a formação do sujeito em uma sociedade de desigualdades extremas; já as psicanalistas negras falam sobre como o racismo atravessa o aparelho psíquico. Em Salvador, programas de clínica comunitária oferecem atendimento de baixo custo, adaptando a frequência das sessões à realidade financeira dos pacientes. A clínica lacaniana, por sua vez, ampliou o leque conceitual com noções de gozo e de Nome‑do‑Pai, colocando ênfase na linguagem como responsável pela estruturação do sujeito.
A crítica mais comum é que o processo psicanalítico é longo e caro, com resultados menos “medíveis” que terapias cognitivo‑comportamentais. No entanto, estudos longitudinais da USP indicam que, após dois anos de análise, pacientes apresentam melhorias sustentadas em autoestima e qualidade das relações interpessoais, superando ganhos obtidos em psicoterapias de curta duração após o follow‑up de cinco anos. A chave parece residir na modificação profunda de padrões de relacionamento internos – aquilo que Freud chamou de transferência e que contemporaneamente se entende como reenactment de vínculos primários.
Hoje, analistas brasileiros dialogam com abordagens de gênero, teoria queer e discussões sobre parentalidade plural. Casais homoafetivos buscam análise para elaborar questões relativas a projetos de família que o modelo patriarcal não previa. A clínica online, impulsionada pela pandemia, obrigou analistas a repensar o setting: como lidar com a ausência física do divã? Como proteger o enquadre contra interrupções do cotidiano doméstico?
Optar por uma terapia psicanalítica é aceitar o convite de explorar o próprio labirinto psíquico sem atalhos, confiando que a escuta cuidadosa e a palavra exata podem abrir fendas onde antes havia muros de repetição.