A Psicologia Multicultural – também chamada Psicologia da Diversidade – nasceu do reconhecimento de que métodos de pesquisa e modelos clínicos baseados em populações brancas, urbanas e ocidentais não capturam a multiplicidade da experiência humana. O campo busca integrar variáveis de cultura, raça, etnia, gênero, orientação sexual, religião, classe social, deficiência e contexto histórico para explicar comportamento e sofrimento psíquico. Isso não significa apenas “traduzir questionários” ou “colar símbolos afro” em slides; implica repensar epistemologias, escutar saberes não hegemônicos e compartilhar poder na relação terapêutica.
No Brasil, a abordagem ganhou força a partir dos anos 2000, com políticas de saúde mental que exigiam práticas culturalmente pertinentes em territórios quilombolas, aldeias indígenas e periferias urbanas. Clínicos utilizam o modelo ADDRESSING (Hays) para mapear dimensões identitárias e identificar privilégio ou opressão em jogo. Por exemplo, uma mulher negra evangélica com depressão pode se beneficiar de metáforas bíblicas, roda de cura ancestral e ativação de rede comunitária, além de TCC.
A avaliação multicultural inclui anamnese de migração, práticas espirituais, idioma de conforto, conceito de família, crenças sobre doença mental e experiências de discriminação. Instrumentos como o Cultural Formulation Interview do DSM‑5 guiam perguntas: “Quais palavras você usa para descrever seu problema?”; “Como sua comunidade entende isso?”. O objetivo é co‑construir significado, não impor rótulos patologizantes.
Intervenções vão desde psicoterapia individual adaptada (uso de provérbios locais para ilustrar pensamentos automáticos) até programas grupais de empoderamento que combinam arte urbana, dança e psicoeducação. Pesquisas da UFRJ (2025) mostraram que oficinas de rap‑terapia reduziram sintomas de ansiedade em adolescentes favelados em 32 %, pois a rima validou vivências de violência e racismo.
A ética multicultural enfatiza humildade cultural contínua: o terapeuta revê seus preconceitos, busca supervisão e corrige deslizes. Também reconhece interseccionalidade: um homem indígena gay enfrenta camadas de estigma diferentes de uma mulher branca trans ou de um imigrante haitiano evangélico. Estratégias de coping precisam respeitar essas sobreposições.
Quando bem aplicada, a Psicologia Multicultural transforma o consultório em espaço de resistência e reimaginação: sintomas deixam de ser falhas individuais e revelam feridas coletivas; cura torna‑se ato político de cidadania e cuidado comunitário.