A lição de Epicuro sobre como a ausência de dor é o maior dos prazeres
Ao pensar no filósofo grego Epicuro, que imagem vem à mente? Para muitos, seu nome evoca cenas de excesso e busca incessante por prazeres. No entanto, essa é uma caricatura que esconde uma filosofia profunda e surpreendentemente austera, voltada para um dos bens mais preciosos da vida: a paz de espírito. Epicuro nos oferece uma receita atemporal para alcançar a ataraxia, um estado de tranquilidade serena e equanimidade, livre de perturbações.
Contrariamente ao que se possa pensar, o caminho epicurista para a felicidade não passa pela indulgência desenfreada. Em vez disso, ele se baseia em uma sabedoria delicada: desfrutar da medida certa de prazer, com moderação e discernimento. A proposta é simples e, ao mesmo tempo, revolucionária. Para encontrarmos essa calma interior, precisamos focar em duas tarefas fundamentais: gerir nossos prazeres com inteligência e abandonar os medos infundados que acorrentam nossa mente.
O Controle Sábio dos Prazeres
O ponto central da ética de Epicuro é o prazer, mas sua definição é modesta: prazer é, fundamentalmente, a ausência de dor. Essa ausência não é conquistada ao nos entregarmos a todos os nossos caprichos. Pelo contrário, exige uma coreografia cuidadosa de nossas escolhas, um conhecimento sobre a natureza dos nossos próprios desejos.
Epicuro nos ensina a distinguir entre dois tipos de prazer. Existe o prazer em movimento, que é a estimulação ativa dos sentidos, como a sensação de comer uma sobremesa deliciosa quando se está com vontade. Depois, há o prazer estático, que é o estado de satisfação que se segue, quando a fome já foi saciada. É a sensação de não precisar de mais nada, a ausência da dor da necessidade. Para Epicuro, este prazer estático é a forma mais elevada e desejável de prazer.
Para alcançá-lo, devemos focar em nossos desejos naturais e necessários — aqueles essenciais para a nossa sobrevivência, como comida, abrigo e descanso. Claro, podemos satisfazer a fome com um banquete luxuoso, mas a verdade é que alimentos simples cumprem a mesma função. A diferença é que o luxo é mais difícil de obter e, muitas vezes, nos aprisiona em um ciclo de anseio.
Em oposição, temos os desejos vãos: fama, poder, riqueza desmedida. Epicuro os via como armadilhas, pois são insaciáveis por natureza, não possuindo um limite natural. A busca por eles nos deixa perpetuamente inquietos, sempre querendo mais. São ideias criadas pela sociedade, como o consumismo, que nos convence de que a felicidade está na próxima aquisição.
Ao nos concentrarmos em satisfazer nossas necessidades básicas e naturais, que são geralmente simples e fáceis de alcançar, eliminamos a dor de não ter o que é difícil de conseguir. A tranquilidade nasce quando paramos de sentir a ansiedade pelo que nos falta e passamos a valorizar a satisfação do que já temos.
Libertando-se dos Grandes Medos
Além de gerir os prazeres, Epicuro identificou dois grandes medos que atormentam a humanidade: o medo dos deuses e o medo da morte. Ele argumentava que, para sermos verdadeiramente livres, precisamos nos libertar dessas amarras irracionais.
Sobre a divindade, Epicuro não era ateu, mas acreditava que os deuses, em sua perfeição, não se envolviam nos assuntos confusos dos seres humanos. Sua natureza perfeita os impediria de se ocupar com nossas vidas imperfeitas. A ideia de uma intervenção divina constante, segundo ele, só gera superstição e um medo desnecessário da punição. Muitas pessoas vivem sob o peso desse temor, o que lhes causa um sofrimento evitável. O filósofo David Hume resumiu bem o dilema que sustenta essa visão:
Se Deus é incapaz de impedir o mal, então ele não é todo-poderoso. Se Deus não está disposto a impedir o mal, então ele não é todo-bom. Se Deus está disposto e é capaz de impedir o mal, então por que o mal existe?
O outro grande fantasma a ser exorcizado é o medo da morte. Para Epicuro, que via o mundo como uma dança de átomos, nossos corpos e mentes são estruturas temporárias. Quando morremos, esses átomos simplesmente se dispersam, e nossa consciência, nossa capacidade de sentir, cessa. Se não há experiência sensorial na morte, não há nada a temer. A morte não pode ser sentida, pois, quando ela chega, nós já não existimos. Como ele mesmo disse de forma sucinta:
“A morte não é nada para nós. Pois o que se dissolve não tem experiência sensorial, e o que não tem experiência sensorial não é nada para nós.”
Por que, então, desperdiçar o tempo precioso da vida se preocupando com algo que jamais experienciaremos?
Ao cultivar prazeres simples e ao abandonar os medos paralisantes do sobrenatural e do fim, Epicuro nos mostra um caminho para a calma. É uma filosofia de contentamento, que nos convida a encontrar a paz não em conquistas grandiosas, mas na serena satisfação das coisas simples e na coragem de viver sem medo.
Referências Sugeridas
- Epicuro. (2002). Carta sobre a Felicidade (a Meneceu). Editora Unesp.
Este é um texto primário e fundamental. A carta é um resumo conciso e direto da filosofia ética de Epicuro, abordando precisamente os temas discutidos no artigo: a natureza do prazer, a classificação dos desejos (naturais, necessários, vãos) e os argumentos para superar o medo da morte e dos deuses. É a fonte mais direta para compreender os ensinamentos do filósofo em suas próprias palavras. - Laércio, Diógenes. (2008). Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Editora UnB.
O Livro X desta obra clássica é inteiramente dedicado a Epicuro. Ele não apenas fornece um relato biográfico, mas também preserva textos importantes de Epicuro, incluindo a própria Carta a Meneceu e outras doutrinas principais. É a fonte histórica mais completa que temos sobre o epicurismo, confirmando a autenticidade dos conceitos de ataraxia, a física atomista e a ética baseada no prazer moderado. - De Botton, Alain. (2000). As Consolações da Filosofia. Editora Rocco.
Neste livro acessível, De Botton dedica um capítulo a Epicuro ("Consolação para a Falta de Dinheiro"). Ele traduz a filosofia epicurista para o leitor moderno, focando exatamente em como a distinção entre desejos naturais e vãos pode nos ajudar a combater a ansiedade gerada pela sociedade de consumo. A análise dele confirma e expande a ideia de que a felicidade, para Epicuro, vem da simplicidade e da amizade, e não da riqueza material.