Quando o "para sempre" se tornou "até quando for conveniente"?
Vivemos uma era de paradoxos, especialmente quando o assunto é o coração. Celebramos o amor e buscamos conexões profundas, mas a verdade sobre o compromisso em nossos tempos pode ser desconfortável. Ao observarmos com honestidade os padrões dos relacionamentos modernos, notamos uma fragilidade que desafia a própria ideia de um pacto duradouro. A questão não é que o compromisso tenha desaparecido por completo, mas que a sua forma mais comum se tornou tão volátil que mal pode ser chamada por esse nome.
O Paradoxo do Compromisso Condicional
Existe uma premissa fundamental que precisamos confrontar: se o seu compromisso vale apenas até o momento em que deixa de ser conveniente, ele nunca foi, de fato, um compromisso. Pense na figura histórica de um grande traidor, como Benedict Arnold. Ele foi "comprometido" com a causa americana até o ponto em que se tornou mais vantajoso para ele se aliar aos britânicos. Não o celebramos como um exemplo de lealdade; nós o rotulamos como o oposto. Ele foi leal apenas enquanto a lealdade o servia.
Transportando essa lógica para nossas vidas, vemos um padrão semelhante. Uma grande parte dos relacionamentos atuais existe sob a condição implícita de que pode ser encerrada a qualquer momento, por qualquer motivo, sem consequências reais para quem decide partir. Essa realidade permeia até mesmo nossa instituição mais sagrada de compromisso: o casamento.
A Ilusão da Segurança Contratual
O casamento, em sua concepção moderna e legal, transformou-se em um contrato que pode ser rompido unilateralmente, a qualquer tempo, por qualquer uma das partes, muitas vezes sem a necessidade de apontar uma culpa. Surpreendentemente, a quebra desse acordo pode, em muitos casos, trazer mais benefícios do que desvantagens para a parte que o dissolve. Um compromisso que pode ser desfeito à vontade não é uma fortaleza; é um castelo de areia.
Ele oferece uma perigosa ilusão de segurança, uma miragem de estabilidade que não se sustenta na realidade do acordo. Quando as pessoas se dizem "comprometidas" até ficarem entediadas, até seus sentimentos mudarem ou até que uma opção aparentemente melhor surja no horizonte, precisamos ter a integridade de chamar as coisas pelo que são. Isso não é compromisso; é oportunismo. Talvez estivéssemos todos em uma posição mais honesta se parássemos de mascarar uma coisa com o nome da outra.
O Verdadeiro Compromisso: Um Voto Interior
Isso significa, então, que o verdadeiro compromisso morreu? Não necessariamente. Significa que, se você o procura em um acordo verbal ou em um pedaço de papel assinado por outra pessoa, está procurando no lugar errado. Esses acordos externos, como vimos, são frágeis.
O compromisso real, aquele que ainda sobrevive e possui um valor imensurável, é de outra natureza. É uma promessa feita a si mesmo, talvez perante uma força maior ou um conjunto de princípios, de se comportar de uma determinada maneira, independentemente das tempestades. É uma decisão de seguir um padrão de conduta que é adotado voluntariamente e renovado continuamente pela própria pessoa. Essa é a essência espiritual de um voto solene, que tem pouco a ver com os contratos que quebramos todos os dias.
Portanto, a busca por compromisso deve ser, antes de tudo, uma jornada para dentro, não para fora. A outra pessoa pode declarar seu amor, oferecer símbolos e assinar documentos, mas nada disso constitui uma garantia de sua permanência quando as circunstâncias mudarem. Para navegarmos por essa realidade com alguma sanidade e confiança, precisamos olhar para nossas instituições e relacionamentos com clareza, aceitando a realidade como ela é. A verdadeira segurança não vem da promessa de outro, mas da força do seu próprio caráter e da sua decisão de honrar a si mesmo.
Referências para Reflexão
- Bauman, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Jorge Zahar Editor, 2004.
Esta obra fundamental do sociólogo polonês Zygmunt Bauman diagnostica com precisão a natureza transitória e fluida dos relacionamentos na "modernidade líquida". Ele argumenta que, em uma cultura de consumo e imediatismo, os laços humanos se tornam igualmente descartáveis, refletindo a ideia de um "compromisso volátil" discutida no artigo. A análise de Bauman fornece um arcabouço teórico robusto para compreender por que os acordos parecem tão frágeis hoje. - Frankl, Viktor E. Em Busca de Sentido. Editora Vozes, 2017.
Embora seja um livro sobre a busca de sentido na vida através de experiências extremas, a segunda parte da obra, que introduz a Logoterapia, foca na responsabilidade pessoal e na liberdade de escolha como pilares da existência humana. Frankl defende que o ser humano encontra o sentido ao se comprometer com uma causa ou uma pessoa. Esta perspectiva reforça a ideia do artigo de que o compromisso mais profundo é uma decisão interna e um ato de vontade do indivíduo, e não algo que pode ser garantido externamente. - Fromm, Erich. A Arte de Amar. Editora Itatiaia, 1956.
Neste clássico, o psicanalista Erich Fromm argumenta que o amor não é um sentimento passivo, mas uma arte que exige prática, disciplina e, acima de tudo, compromisso. Ele distingue a paixão inicial ("apaixonar-se") do ato maduro de "permanecer amando", que é uma decisão consciente. Fromm afirma que o amor genuíno envolve dar, cuidar, responsabilidade e respeito, o que se alinha diretamente com a conclusão do artigo de que o verdadeiro compromisso é uma conduta ativa e um voto pessoal, e não apenas um sentimento ou um contrato.