Por Que Ser Flexível Como a Água Pode Torná-lo Inquebrável?
As palavras do antigo filósofo Lao Tzu — “A água é a substância mais suave e maleável que existe. No entanto, nada é melhor do que a água para superar o que é duro e rígido, porque nada pode competir com ela” — ecoam uma verdade profunda sobre a vida e a natureza da nossa própria mente. Muitos de nós vivemos como reféns da rigidez dos nossos pensamentos. Criar categorias e ideias fixas é um mecanismo de sobrevivência; oferece uma sensação de clareza e ordem num universo que, na sua essência, é caótico. Contudo, essa mesma rigidez que nos serve de apoio pode se tornar uma prisão. Ao ver o mundo através de caixas e rótulos, limitamos a nossa percepção e ficamos presos às nossas próprias ideias de como as coisas são ou deveriam ser.
Dado que o universo está em constante fluxo e que a complexidade da realidade transcende a nossa capacidade de compreensão, talvez uma abordagem mais frutífera seja aquela que nos permite ser flexíveis, adaptáveis e fluidos. Uma abordagem mais parecida com a da água.
A Dança dos Opostos: Yin e Yang
A filosofia taoísta nos convida a observar a natureza, pois nela encontramos os princípios fundamentais do universo. Um desses princípios é a dança incessante entre opostos, conhecida como yin e yang.
O yang representa os elementos ativos, assertivos e visíveis: a velocidade, a produtividade, a agressividade, a dureza e a rigidez. A nossa cultura moderna celebra o yang. Somos ensinados a ser mais rápidos, a produzir mais, a defender as nossas opiniões de forma inflexível, a confrontar e a impor a nossa vontade sobre o ambiente.
O yin, por sua vez, abrange os elementos mais passivos e receptivos: o silêncio, a quietude, a suavidade e a flexibilidade. Estes aspetos são frequentemente desprezados, vistos como sinais de fraqueza. A capacidade de ouvir uma opinião contrária ou a disposição para mudar de ponto de vista é muitas vezes mal interpretada. Como disse o político Alexander Hamilton, “Se você não defende nada, você se apaixona por qualquer coisa”. Embora haja verdade nisso, uma recusa total em ceder, em nos adaptarmos aos ventos da vida, nos torna tão quebradiços quanto um galho seco.
Navegando no Rio da Vida
A água nos mostra um caminho diferente. Ela sobrevive a inúmeras circunstâncias através da sua capacidade de adaptação. Despeje-a num copo e ela se torna o copo. Aqueça-a e ela se transforma em vapor. Congele-a e ela se torna sólida. A sua suavidade confere-lhe uma resiliência imensa.
Lao Tzu observou: “Os vivos são suaves e flexíveis; os mortos são rígidos e inflexíveis.” O mesmo se aplica à nossa mente. Pessoas com uma mentalidade rígida lutam contra a mudança, pois anseiam por permanência num mundo definido pela impermanência. A vida é mudança. Se fosse permanente, seria estática, sem vida. Ao lutar contra o inevitável, desperdiçamos uma energia imensa.
Se imaginarmos a vida como um rio, as pequenas mudanças são as suas curvas suaves, enquanto as grandes transformações são as mudanças drásticas no seu curso. A morte é o seu deságue no oceano. Em todos os momentos, o rio flui, contornando obstáculos, adaptando-se à paisagem e seguindo o seu caminho sem esforço. Ele aproxima-se da sua dissolução final sem resistência, simplesmente fundindo-se com algo maior. Podemos aprender a viver dessa forma, fluindo com o que a vida nos traz, mesmo quando contidos, como a água num jarro, permanecendo quietos até que as circunstâncias nos permitam fluir novamente.
A Força Silenciosa que Transforma
O argumento de Lao Tzu de que “o suave vence o duro” pode parecer contraintuitivo. Contudo, a água, com a sua suavidade, tem o poder de erodir as rochas mais duras ao longo do tempo. O taoísmo é, em muitos aspetos, uma filosofia sobre “não forçar”. Embora a força tenha o seu lugar, a abordagem suave é frequentemente superior para obter resultados a longo prazo, preservando a nossa energia e paz de espírito.
Pensemos na história de Artur, um banqueiro condenado injustamente à prisão perpétua. Confrontado com a brutalidade e a rigidez de um sistema prisional corrupto, liderado pelo cruel Diretor Saraiva, Artur não usa a força bruta. Em vez disso, ele emprega métodos suaves. Sendo um homem paciente e com um profundo conhecimento do que ele chamava de “o estudo da pressão e do tempo”, ele usa a sua inteligência e disposição para ser útil. Torna-se um confidente do diretor, administra as suas finanças ilícitas e, com isso, ganha privilégios. Durante anos, ele escreve cartas semanais até conseguir fundos para construir uma biblioteca para os outros reclusos.
Todo esse tempo, ele executava o seu plano mestre. Com um pequeno martelo geológico, escondido numa Bíblia, ele passou 19 anos a cavar um túnel na parede da sua cela. A sua abordagem paciente e suave permitiu-lhe vencer não apenas uma parede de concreto, mas toda a autoridade da prisão. A sua fuga, quando finalmente acontece, é decisiva e poderosa, mas foi construída sobre duas décadas de suavidade e perseverança. Ele guardou a sua força para o momento certo, um momento que ele próprio criou.
O Tesouro Escondido na Imperfeição
Ser como a água também significa encontrar o valor em todas as circunstâncias. A nossa sociedade obcecada pelo yang valoriza apenas um lado da existência: o sucesso, a riqueza, a beleza, a utilidade. Ser considerado “inútil”, “pobre” ou “feio” é visto como algo a ser evitado a todo custo.
No entanto, se aprendermos a ver o positivo no negativo, descobrimos que cada nuvem tem, de facto, o seu lado bom. Ser pobre pode significar menos preocupações materiais. Ser considerado pouco atraente pode significar que as pessoas o valorizam pela sua essência, e não pela sua aparência.
O filósofo Zhuangzi contou a história de uma árvore torta. Por ser tão deformada, os lenhadores consideravam-na inútil; a sua madeira não servia para fazer tábuas. Por causa da sua “inutilidade”, a árvore nunca foi cortada. Ela cresceu, tornou-se imensa e antiga, e as pessoas passaram a reverenciá-la como um lugar sagrado para descansar à sua sombra. A sua longevidade e o seu propósito final nasceram da sua imperfeição inicial. A sua inutilidade foi a sua salvação.
A vida é caracterizada pela suavidade, e a suavidade é uma forma de força. As coisas que se dobram não se partem facilmente. Até a rocha mais dura cede à carícia persistente da água. Nas palavras de um célebre artista marcial e filósofo: “Não te fixes numa forma, adapta-te e constrói a tua própria forma, e deixa-a crescer, sê como a água.”
Referências e Leituras Sugeridas
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Lao Tzu. Tao Te Ching: O Livro do Caminho e da Virtude. Tradução de Mário L-S. Ferreira, Editora Alfabeto, 2017.
Esta é a fonte primária das reflexões do artigo. A obra explora os conceitos de yin e yang, a filosofia do "não forçar" (Wu Wei) e a sabedoria de ser como a água. Os temas do artigo são diretamente abordados nos capítulos 8 ("A bondade suprema é como a água, que beneficia todas as coisas sem competir com elas") e 78 ("Nada no mundo é mais macio e flexível que a água. No entanto, para atacar o que é duro e forte, nada a supera").
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Zhuangzi. Zhuangzi: O Clássico Taoista. Tradução e notas de Yi-hsein Wu e Plinio freire Gomes, Editora Unicamp, 2021.
Esta obra, juntamente com o Tao Te Ching, forma a base do taoísmo filosófico. A leitura confirma a autenticidade e o contexto da história da "árvore inútil" mencionada no artigo. A história específica pode ser encontrada no Livro IV, "No Mundo dos Homens". A narrativa ilustra perfeitamente o princípio taoísta de que o que a sociedade considera "inútil" pode ter um valor intrínseco e um propósito mais elevado.
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Hayes, Steven C., e Spencer Smith. A Liberdade de Ser: Um Guia de Terapia de Aceitação e Compromisso para Deixar de Lutar e Começar a Viver. Editora Sextante, 2022.
Embora seja uma obra de psicologia moderna, este livro sobre a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) oferece uma ponte científica para os princípios taoístas discutidos. A ACT promove a "flexibilidade psicológica", que é a capacidade de aceitar pensamentos e emoções difíceis (semelhante a fluir com o rio) em vez de lutar rigidamente contra eles. O conceito de "desfusão cognitiva" ensina os leitores a verem os seus pensamentos como eventos mentais passageiros, em vez de verdades rígidas, o que se alinha diretamente com a ideia de superar a "rigidez da mente".