A Diferença Crucial Entre Ser e Ter: O Segredo da Força Psicológica

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Para compreendermos como nos tornarmos psicologicamente inabaláveis, precisamos primeiro examinar a raiz da nossa própria fragilidade. Deixando de lado as vulnerabilidades físicas que todos compartilhamos, a nossa destrutibilidade emocional e psicológica nasce de um erro fundamental: a identificação inadequada com a realidade externa. Vivemos, sem perceber, numa teia de falsas identidades que nos torna profundamente vulneráveis a um sofrimento desnecessário.

A Armadura da Falsidade

O problema surge quando, de forma inconsciente, confundimos aquilo que temos com aquilo que somos. Este é um processo quase sempre oculto, o que o torna ainda mais poderoso e traiçoeiro. No fundo das nossas mentes, abrigamos crenças que se tornam a base da nossa identidade percebida: “Eu sou o meu status”, “Eu sou a minha reputação”, “Eu sou o meu relacionamento”, “Eu sou o meu dinheiro”, “Eu sou a minha inteligência”, “Eu sou a minha beleza”.

Nenhuma destas afirmações, no entanto, é verdadeira. São todas fundamentalmente falsas. E viver sob o domínio da falsidade é o que nos torna frágeis. Essa identificação funciona como uma armadura defeituosa: se alguém ataca ou ameaça essas coisas externas, nós percebemos isso como um ataque direto e pessoal a nós mesmos. A nossa reação, baseada nessa interpretação equivocada, é quase sempre desproporcional e ineficaz, levando inevitavelmente à dor e à angústia.

O Que Resta Quando Tudo se Foi?

Então, o que é a verdadeira identidade? Uma definição funcional e poderosa é a seguinte: a identidade é o que resta depois que tudo o que pode ser tirado de si lhe é tirado. E devemos ter a certeza de que, com o tempo, tudo o que pode ser tirado, será. Se algo lhe é retirado e você continua a existir, então, claramente, aquilo não era você. Era algo que você meramente possuía.

A esmagadora maioria das coisas na vida enquadra-se nesta categoria. São bens, não o seu ser. Isto inclui o óbvio, como o seu emprego, a sua família ou a sua conta bancária. Mas também se aplica a qualidades mais intangíveis e que valorizamos imensamente, como a sua atratividade física, que o tempo inevitavelmente levará, ou a sua agudeza mental, que não permanecerá no seu auge para sempre. A lista de coisas que possuímos e que iremos perder é interminável.

O Caminho para a Força Interior

O caminho para se tornar inabalável é o processo de se desidentificar sistematicamente daquilo com que você se identificou de forma falsa no passado. É, em essência, o processo de descobrir e se conectar com quem você realmente é. Podemos medir o nosso progresso observando atentamente as nossas reações emocionais.

Pense em algo trivial, como um objeto seu que é danificado. Uma reação de fúria ou de se sentir pessoalmente ofendido indica que, a um certo nível, você se identificou com aquele objeto. Sentiu que o dano era uma afronta a si. Agora, imagine reagir com calma: “Ah, o objeto está partido. Como aconteceu? Precisa ser reparado ou substituído?”. É apenas um objeto, nada mais. Se conseguir ter esta reação perante algo pequeno, é um bom primeiro passo. Mas o verdadeiro progresso acontece quando você consegue aplicar esta mesma lógica à sua beleza, à sua riqueza, à sua inteligência, à sua reputação e aos seus relacionamentos.

Quando consegue tratar estas coisas como trata um objeto substituível, você percebe que, embora possa tê-las na sua vida, existe um abismo intransponível entre o que você tem e o que você é. Não importa o que aconteça com o que você possui, quem você é permanece intacto.

Isto não significa, de forma alguma, negligenciar ou desrespeitar as coisas que você tem. Pelo contrário. Você cuida do seu corpo, dos seus relacionamentos e da sua reputação enquanto os tem. A desidentificação não é negligência; é saber lidar com as coisas de forma leve. É apreciá-las enquanto estão presentes e entregá-las com gratidão quando chega a hora de as deixar partir.

Se você conseguir fazer isso — identificar-se apenas consigo mesmo, nem mais, nem menos —, quem poderá ter poder sobre si? A sociedade e as outras pessoas só podem exercer poder sobre o que você tem. E o que você tem só é seu temporariamente. Ao libertar o seu ser do seu ter, você torna-se imune à coação, à manipulação e à dominação. Nenhum homem ou mulher será seu mestre, porque você será o seu próprio mestre.

Referências Sugeridas:

  • Frankl, V. E. (2006). Man's Search for Meaning. Beacon Press.
    Este livro detalha as experiências do psiquiatra Viktor Frankl num campo de concentração nazi. A principal tese é que a última das liberdades humanas — a capacidade de escolher a própria atitude em qualquer conjunto de circunstâncias — não pode ser tirada. Frankl argumenta que, mesmo quando despojados de tudo (bens, status, saúde), os indivíduos ainda podem encontrar sentido e preservar o seu eu interior, o que se alinha diretamente com a ideia do artigo de que a identidade é o que resta quando tudo o mais é perdido.
  • Epicteto. (2008). Discourses and Selected Writings. Penguin Classics.
    Como um dos principais filósofos estoicos, Epicteto ensina a "dicotomia do controlo": a distinção entre o que está sob o nosso controlo (os nossos julgamentos, impulsos e atitudes) e o que não está (o nosso corpo, a nossa reputação, a nossa riqueza). Ele argumenta que a tranquilidade e a força interior vêm de nos focarmos exclusivamente no que podemos controlar e de aceitarmos o resto com indiferença. Este conceito é a base filosófica para a "desidentificação" descrita no artigo.
  • Tolle, E. (2005). A New Earth: Awakening to Your Life's Purpose. Penguin Books.
    Tolle explora a ideia do ego humano como uma identificação com a forma — seja ela material (possessões), mental (crenças) ou emocional (sentimentos). Ele argumenta que esta identificação é a fonte de todo o sofrimento. O caminho para a paz e para uma existência autêntica, segundo Tolle, é a desidentificação do ego, o que permite que a consciência pura, ou o verdadeiro "eu", emerja. Isto reflete a ideia central do artigo de que viver na falsidade da identificação com o externo nos torna destrutíveis.