Como Encontrar a Paz Quando o Mundo Parece Totalmente Fora de Controle?

Artigo | Autoaceitação

Vivemos num mundo em constante mudança, um lugar onde as certezas parecem evaporar tão rapidamente quanto se formam. É um sentimento comum: a sensação de ser surfista numa onda de acontecimentos imprevisíveis, tentando manter o equilíbrio sob um fardo de expectativas e pressões. Facilmente nos apegamos a coisas, pessoas e resultados, apenas para sentir a frustração e a queda quando a realidade não corresponde aos nossos desejos. Mas e se a chave para o bem-estar não estiver em controlar o mundo exterior, mas sim em dominar o nosso mundo interior? A filosofia antiga, em especial o Estoicismo, oferece uma perspetiva poderosa sobre este dilema. Ensina-nos que a busca pela felicidade e satisfação não depende de dobrar o mundo à nossa vontade, mas sim de focar no que é nosso, deixar ir o que não é, e manter um propósito claro.

O Que Realmente Está Sob o Nosso Controlo?

A primeira e mais crucial distinção que precisamos de fazer é entre aquilo que podemos controlar e aquilo que não podemos. O filósofo Epiteto afirmava que as circunstâncias externas, por si só, não têm o poder de nos perturbar. O que nos perturba é a nossa interpretação dessas circunstâncias. Imagine o exílio. Para muitos, seria uma fonte de agonia sem fim, uma separação dolorosa de tudo o que amam. No entanto, a história mostra exemplos de pessoas que enfrentaram o exílio com um sorriso, compreendendo que, embora o seu corpo pudesse ser deslocado, a sua mente, as suas opiniões e a sua liberdade interior permaneciam intactas. Então, o que está fora do nosso controlo? A nossa reputação, as posses, as ações dos outros, os acontecimentos políticos e sociais. Numa palavra, o mundo exterior. E o que está sob o nosso controlo? As nossas opiniões, os nossos impulsos, os nossos desejos, as nossas aversões — em suma, o funcionamento da nossa própria mente. Isto não é um convite à passividade ou à indiferença. Pelo contrário, "viver de acordo com a natureza" é um princípio estoico que nos encoraja a abraçar o mundo com tudo o que ele tem para oferecer — prazeres, desafios, alegrias e dores — mas sem nos apegarmos de tal forma que a nossa paz interior dependa disso.

Deixar Ir: Objetos, Pessoas e Poder

Para alcançar um estado de contentamento, é essencial praticar o desapego em três áreas principais onde frequentemente nos perdemos.

  1. Objetos e Posses: Frequentemente confundimos o apego com o amor ou o apreço. Podemos desfrutar profundamente da presença de algo ou alguém sem a necessidade de nos agarrarmos a isso como se a nossa vida dependesse disso. A chave é reconhecer a impermanência. Em vez de dizer "Eu perdi", podemos pensar "Foi devolvido". O seu filho, a sua casa, a sua terra — são-lhe emprestados por um tempo. Quando o universo os pede de volta, devemos devolvê-los. Esta perspetiva não diminui o seu valor; pelo contrário, torna o tempo que temos com eles ainda mais precioso.
  2. Pessoas e Relacionamentos: O mesmo princípio aplica-se às pessoas que amamos. Amar alguém profundamente e, ao mesmo tempo, manter no fundo da mente a consciência de uma possível e inevitável separação não é ser pessimista. É ser realista. Esta consciência impede que o nosso coração se parta irreparavelmente, permitindo-nos valorizar cada momento partilhado.
  3. Poder: Os filósofos gregos antigos apontavam que o poder é um vício. A sua obtenção raramente satisfaz; em vez disso, gera uma fome por mais poder, corrompendo quem o detém. Inúmeras vezes, a história mostrou como a recusa em abandonar o poder levou à miséria. O poder, por sua natureza, é externo. Pode ser dado e retirado a qualquer momento. Lutar contra esta realidade é lutar contra a natureza da existência.

A Vida Como um Banquete: Uma Metáfora para a Ação

Como podemos, então, navegar por estas transições com mestria? Epiteto oferece um conselho simples, mas profundo: trate a vida como trataria um banquete. Quando um prato é passado e chega até si, estenda a mão e sirva-se de uma porção com moderação. Se o prato passar por si, não o agarre. Se ainda não chegou à sua vez, não cobice o que está do outro lado da mesa, mas espere pacientemente. Aplique esta atitude aos seus filhos, ao seu parceiro, à sua carreira e às suas finanças. Ao fazer isto, torna-se um digno companheiro dos deuses. E se conseguir não apenas abster-se das coisas que lhe são oferecidas, mas também rejeitá-las quando necessário, não será apenas um convidado, mas um parceiro no governo do universo.

A Fortaleza Interior Contra a Opinião Alheia

Preocupamo-nos excessivamente com o que os outros pensam. Movemos céus e terra para sermos apreciados, aceites e admirados. No entanto, na nossa era, a aceitação social raramente é uma questão de vida ou de morte, como era para os nossos antepassados tribais. A opinião dos outros é um fator externo. Podemos influenciá-la, mas nunca controlá-la completamente. Se não for convidado para uma festa, por exemplo, não é uma afronta pessoal. É uma transação. O anfitrião queria companhia e você talvez não estivesse disposto a pagar o "preço" de socializar com aquela pessoa em particular. Não se pode ter as duas coisas: a alegria da festa e, ao mesmo tempo, a poupança do seu tempo e energia. Buscar incessantemente ser apreciado é exaustivo e leva-nos a socializar com pessoas de quem não gostamos e a fazer coisas que não queremos, apenas em troca de uma tranquilidade que, ironicamente, se perde no processo. O preço que pagamos pela liberdade económica e pela tranquilidade é, por vezes, sermos mal vistos ou ignorados. Devemos estar contentes em pagar esse preço, pois o que obtemos em troca é o autodomínio. Em última análise, tudo se resume a lidar com as nossas próprias opiniões. Não são as palavras ou as ações de outra pessoa que nos magoam, mas sim a nossa opinião sobre elas. Lembre-se, a única pessoa que o pode ofender é você mesmo.

Referências Sugeridas

  • Epiteto. O Manual (Enchiridion).
    Anotação: Este é o texto fundamental que resume os principais ensinamentos de Epiteto. É uma guia concisa e poderosa para a vida, focada na "dicotomia do controlo" — a distinção entre o que podemos e não podemos controlar. É a fonte primária para muitas das ideias discutidas no artigo. Capítulos Relevantes: O Capítulo 1 introduz a dicotomia do controlo. O Capítulo 11 contém a ideia de "devolver" as coisas em vez de as "perder". O Capítulo 15 apresenta a metáfora da vida como um banquete.
  • Pigliucci, Massimo. Como Ser um Estoico: Sabedoria Antiga para a Vida Moderna.
    Anotação: Este livro funciona como uma ponte entre a filosofia estoica antiga e os desafios do século XXI. Pigliucci, um filósofo e biólogo, explora como as práticas estoicas podem ser aplicadas de forma prática para lidar com o stresse, a ansiedade e as dificuldades da vida contemporânea, tornando os conceitos do artigo mais acessíveis a um leitor moderno. Partes Relevantes: A Parte II, "A Disciplina do Desejo", aprofunda a ideia de viver de acordo com a natureza e focar no que é controlável.
  • Robertson, Donald. Stoicism and the Art of Happiness.
    Anotação: Robertson, um psicoterapeuta cognitivo-comportamental, estabelece uma ligação clara entre as técnicas estoicas e as abordagens terapêuticas modernas, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). A publicação demonstra que os princípios discutidos no artigo são ferramentas psicologicamente eficazes para reformular pensamentos e emoções negativas. Capítulos Relevantes: O Capítulo 4, "The Stoic Fork: What's Upto Us", e o Capítulo 7, "On Acceptance and Letting Go", fornecem uma análise aprofundada dos conceitos de controlo e aceitação.