Por que a sua saúde física depende da sua vida emocional (e vice-versa)?

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Frequentemente, tentamos organizar a nossa existência em caixas separadas: aqui está a nossa saúde, ali os nossos relacionamentos; neste canto a nossa carreira e, talvez num lugar mais distante, a nossa espiritualidade. Mas esta separação é uma ilusão. Espiritualidade, autoajuda, desenvolvimento pessoal, saúde, bem-estar, relacionamentos e psicologia não são ilhas isoladas; são fios entrelaçados que compõem o tecido da nossa experiência humana. Reconhecer essa interconexão é o primeiro passo para uma vida verdadeiramente plena e consciente.

A Natureza Espiritual da Existência Física

Para compreender a nossa totalidade, precisamos primeiro revisitar a ideia do que significa "ser". A encarnação humana é, em sua essência, a manifestação da energia não-física — que podemos chamar de espiritual — no mundo material. Sob esta ótica, não existe nada que não seja espiritual. Cada célula do nosso corpo, cada pensamento, cada objeto ao nosso redor é, na sua origem, uma expressão do espírito. Você não é um corpo com um espírito; você é um ser espiritual vivendo uma experiência humana.

O propósito desta experiência não é negá-la ou escapar dela, mas sim mergulhar nela de corpo e alma. O caminho mais genuinamente espiritual é viver plenamente a existência física, auto-realizar-se no aqui e agora. Pense nisso como um artista dedicado à sua obra. Um músico que passa a vida a aperfeiçoar a sua arte, imerso na paixão e na disciplina, pode estar a trilhar um caminho mais alinhado espiritualmente do que alguém que apenas contempla o divino sem o integrar na vida prática. O objetivo é usar a nossa experiência encarnada para expandir a nossa consciência e, com essa consciência, criar deliberadamente a vida que desejamos.

O Despertar para a Totalidade

Muitos acreditam, equivocadamente, que o despertar espiritual significa transcender o mundo físico, tratando-o como uma ilusão a ser superada. No entanto, a verdadeira consciência não nos afasta da vida, mas aprofunda a nossa presença nela. Tornar-se consciente implica, sim, reconhecer que a realidade física não é tudo o que existe; é abrir-se para a dimensão não-física de quem somos. Mas, igualmente, implica abraçar plenamente o nosso aspecto físico.

Podemos visualizar o ser humano como uma estrutura de três camadas primárias e interligadas: a Mente (nossos pensamentos e crenças), o Sentimento (as nossas emoções) e o Corpo (a nossa forma física). Cuidar destas três camadas e alinhá-las é fundamental para a saúde, o bem-estar e o nosso propósito de vida. É aqui que a saúde física e o bem-estar se tornam, inegavelmente, parte do panorama espiritual. Não podem mais ser vistos como algo separado.

O Elo Inseparável: Saúde, Relacionamentos e o Caminho Interior

Quando a consciência se manifesta como um indivíduo, a ideia do "outro" nasce como consequência natural. E onde há "eu" e "outro", surge o relacionamento. A vida, portanto, é relacionamento. A qualidade da nossa experiência no plano físico está intrinsecamente ligada à qualidade das nossas conexões — com os outros, com o ambiente e connosco mesmos. Assim, o domínio dos relacionamentos deixa de ser uma área separada da psicologia ou da autoajuda e torna-se um pilar central da nossa progressão espiritual.

Da mesma forma, um líder espiritual pode precisar de abordar os traumas de infância de uma pessoa, e não apenas verdades existenciais. Um médico, para encontrar a cura para uma doença, talvez precise de olhar para além do corpo físico e considerar o impacto que um casamento infeliz (um fator emocional e relacional) está a ter nos tecidos do paciente. Um psicólogo pode precisar de reconhecer como um desequilíbrio hormonal ou um bloqueio energético está a afetar a mente do seu cliente.

Uma Perspectiva Unificada para a Auto-realização

Cada especialista — seja um médico, um psicólogo, um terapeuta ou um conselheiro — oferece uma lente valiosa para observar uma das camadas do complexo "bolo" humano. É possível focar-se apenas numa camada, mas só até certo ponto. Uma pessoa pode analisar as suas crenças limitantes sem nunca pensar em espiritualidade, até se deparar com uma questão sobre o sentido da vida que só uma verdade existencial mais profunda pode resolver. Outra pessoa pode meditar diariamente até perceber que está a usar a prática como uma fuga, e o seu próximo passo terá de ser confrontar os padrões psicológicos de evitação.

A verdade fundamental é que, sendo o ser humano uma entidade tão integrada, é impossível ter uma imagem completa da sua condição sem considerar todas as suas facetas: não-física, mental, emocional e física. Um obstáculo ao bem-estar ou ao progresso pode originar-se em qualquer um destes níveis.

O caminho da evolução pessoal, se continuado com sinceridade, leva-nos inevitavelmente à compreensão de que estamos aqui para aprender, amar, transformar, curar e criar. Leva-nos a uma curiosidade sobre o que nos impede de o fazer. Essa auto-realização só pode ser alcançada através de um compromisso consciente com todos os elementos do nosso ser. À medida que a humanidade avança, estes campos, em vez de se tornarem mais distintos, irão fundir-se cada vez mais numa sabedoria unificada sobre o que significa ser plenamente humano.

Referências Sugeridas

  • Van der Kolk, B. A. (2016). O Corpo Guarda as Marcas: Cérebro, Mente e Corpo na Cura do Trauma. Lisboa: Sinais de Fogo Publicações.

    Este trabalho fundamental explora cientificamente como o trauma se manifesta não apenas na mente, mas fica literalmente armazenado no corpo. Corresponde diretamente à ideia do artigo de que a saúde física (corpo) não pode ser separada do bem-estar psicológico e emocional (mente e sentimento), demonstrando a interconexão das camadas do "bolo humano".

  • Maté, G. (2011). Quando o Corpo Diz Não: O Custo do Stress Oculto. Alfragide: Lua de Papel.

    O Dr. Maté estabelece uma ligação clara e convincente entre o stress crónico, as emoções reprimidas (aspetos psicológicos e de relacionamento) e o aparecimento de doenças graves (saúde física). A sua obra serve como uma poderosa confirmação da tese do artigo de que um médico precisa de olhar para a vida emocional e relacional do paciente para compreender a doença.

  • Wilber, K. (2000). Psicologia Integral: Consciência, Espírito, Psicologia, Terapia. Editora Cultrix.

    Ken Wilber oferece um modelo abrangente, a "Psicologia Integral", que procura unificar as várias abordagens ao desenvolvimento humano, incluindo as dimensões biológicas, psicológicas e espirituais. A sua estrutura teórica fornece uma base académica para a principal afirmação do artigo: que todos estes campos aparentemente separados são, na verdade, partes de um espectro único e integrado da consciência humana.